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Alceu Valença cria filme-cordel

11/06/2008

Capa do disco com a trilha do filme "A Noite do Espantalho" no qual Alceu Valença atuou como ator


Nele, Lampião volta do inferno à Terra

"Ninguém me agüenta mais", anuncia o cantor e compositor Alceu Valença, 60, do alto de sua cobertura no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro.

Não é caso para os bombeiros nem para a psicanálise - que ele abandonou há algum tempo, argumentando que considerava mais proveitoso "segurar" a própria loucura.

Ocorre que Alceu aporrinha familiares, amigos e colegas de trabalho há cinco anos com a idéia de um filme -o "Cordel Virtual" -, que, promete, agora sai. Uma última versão do roteiro _sempre reescrito_ ficou pronta há poucos meses, uma produtora já se ocupa da captação de recursos, ele tem tido reuniões com grandes distribuidoras e deve começar a rodar no ano que vem a fita que chega às telas, ele diz, em 2008.

Alceu explica que nem sempre pode contar todos os detalhes e histórias de seu filme em reuniões mais burocráticas com produtores e distribuidores. "Às vezes não tem muito tempo para contar. Porque eu sei o filme todo, decorado, desde o início. Quer que eu conte?", pergunta e, ato contínuo, começa a recitar.

Sim, porque se trata de uma "fábula" musical, em versos, nordestina-contemporânea sobre a volta de Lampião do inferno à terra, em companhia de Maria Bonita (que depois vira onça) e de posse de uma luneta que permite enxergar o passado, o presente e o futuro.

Mas há mais na história cinematográfica de Alceu, que nasceu como projeto de autobiografia formal e prosaica, a partir da infância em São Bento do Una (PE). À medida que escrevia, a narrativa passou a sair em versos, e depois em canções, tudo sempre de maneira "muito natural", explica.

Cangaço em casa
Um dos "culpados" pela idéia fixa de Alceu --e pela guinada de biografia para roteiro-- é o cineasta Walter Carvalho, afirma o próprio cantor. Com algumas páginas escritas à mão no bolso, o compositor encontrou Carvalho num show no Rio e lhe mostrou o que vinha produzindo até então.

"'Isso é filme, é cinema', ele falou para mim", conta Alceu. "Vamos filmar isso?", incitou em seguida Carvalho, que acabou não participando do projeto ora em curso.

Há palhaços, policiais e políticos na versão que ganhou forma de roteiro. Na sala de seu apartamento, Alceu incorpora cada um dos personagens, com voz ora grave --nesses momentos, lembra Luiz Gonzaga--, ora estridente e metálica.

Usa uma bancada como púlpito e encena um debate entre vereadores em São Bento do Una, parte do roteiro. Traços populistas de um, autoritários de outro, fazem lembrar algo de personagens de Glauber Rocha.

Faz sentido? "Acho que não. Claro que alguma coisa de Glauber estará presente, mas como uma coisa mínima. Ele viveu na Bahia, onde não tinha esse negócio. Na fazenda do meu pai tinha a coisa de os cangaceiros passarem por lá. O Corisco não foi da Bahia. Chegou à Bahia, mas não tinha muito baiano na história, não", diz o pernambucano.

De fato, a nos fiarmos nas recordações de Alceu, sua ligação com Lampião é familiar.

"Meu pai, em 1938, estudava direito na Universidade Federal de Pernambuco. Tinha um colega dele que era telegrafista. Um dia esse cara chega dizendo que tinha recebido uma notícia de que Lampião havia morrido", conta. "Alugaram uma caminhonete. Atravessaram Alagoas e chegaram lá. Papai conta que encontraram os corpos já decapitados, em estado de putrefação. Com alguns objetos jogados no que ele chamava de 'o campo da batalha'."

"Aí papai e os amigos dele cortaram umas varas e deram sepultura aos mortos. Mas trouxe um chapéu, de um dos do bando, que foi guardado na minha casa."

Também a relação com o cinema é antiga para Alceu. "Os filmes de Godard e o neo-realismo italiano, essas coisas eu via em Recife", diz. "Inclusive falavam que eu era parecido com o Jean-Paul Belmondo. Arranjei muitas namoradas por causa dele. Me chamavam de Jean-Paul [ri]. Era ótimo."

Após começar a escrever o filme, Alceu diz que passou a estudar cinema pra valer. Comprou livros sobre técnicas de roteiro. Quer que "Cordel Virtual" seja uma obra sua atrás e diante das câmeras.

"Teve já coisa de quererem botar outra pessoa para dirigir comigo. Eu disse que não. Vou dirigir e vou atuar. Conheço a genealogia desses personagens. Eu sei fazer todos. Quer que eu diga pra você?", pergunta.

Resta agora, aos investidores, acalmarem Alceu. E a família - e os amigos - do cantor.

(© Primeira Edição)


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