DANIELA Mercury: baiana reúne
vários ritmos de sons brasileiros e um balé que lembra as tradições
afro-brasileiras
A cantora baiana Daniela Mercury apresentou em Fortaleza o show Balé
Mulato em comemoração aos nove anos do Mucuripe Club. O show roda o
Brasil e divulga o DVD homônimo, gravado no Farol da Barra
A pompa vem logo de cara. Do alto, cai o pano
colorido. Na figura, as casas sobrepostas denunciam as mulatas, que
dançam a favela e o terreiro, no toque do candomblé. Os rostos
pintados de carnaval, a roda de capoeira. Um balé mestiço, mulato.
Daniela Mercury entra no baticum. Ela não é só axé. É samba, reggae,
maracatu. O vozeirão canta cores miscigenadas da música brasileira.
Balé Mulato, DVD que a cantora está lançando, traz a batida da cantora que investe cada vez menos na
previsibilidade do axé e dá lugar à experimentação, usando elementos
do funk, do reggae, do samba. Em entrevista coletiva pela rede, a
cantora assina a direção com Antrifo Sanches, que participou de todo
o processo de produção do DVD, também disponível em CD, desde a
escolha do repertório até a finalização. A baiana conta que ele "foi
uma maneira de resgatar minhas fusões marcantes, que identificaram
minha batida. É um DVD mais espontâneo. Não consegui deixar de me
repetir, mas não era esse meu objetivo".
Daniela
é inquieta. Segue o gingado do balé e não perde o fôlego da voz,
forte como as pernas à mostra. As vestes em flor lembram roupas
penduradas nos varais, estes nas travessas transmutadas em quitais
das favelas. Da chamada "música baiana", é uma das que ousam e
experimentam misturar informações e testas novos formatos. "Não
tenho medo, não sou conservadora, amo a tradição, mas usando-a
também como base, como referência, para criar novas coisas. Tenho
medo de ter medo", diz. No repertório não constam vários dos maiores
sucessos da cantora, mas as músicas que ela gosta de interpretar.
Olha o Gandhi aí, a terceira do DVD convida a balanço pelo tambor.
Nobre Vagabundo é introduzida pelo baixo, que segue à capela com
coro da platéia e se transforma num reggae melódico, o que prepara o
público para Baianidade Nagô, que vem devagar ao som do piano
elétrico. Piruetas e saltos mortais introduzem Prefixo de Verão, que
convida à dança pelo tambor e atabaque.
Porém, sua experimentação não vai tão longe assim. Um dos maiores
exponenciais da música brasileira no exterior, a baiana vende, no
DVD, uma cultura estereotipada, do País do carnaval, samba, Senna,
Pelé. É a exaltação da cultura brasileira nos modelos embalados para
a exportação, o que a cantora retruca. "Esses estereótipos somos
'nós'. A cultura brasileira tem muito de samba, muito de festa. Isso
pra mim é muito positivo. O Brasil, de fora, é conhecido pelo
Carnaval. Isso, claro, é pouco para mostrar o Brasil como um todo.
Um DVD feito para meu coração, não é para exportação não. Estudo o
que faço, tenho profundidade". Conta com a participação especial de
Gil (ex-banda Beijo), Marcelo Mello, da sambista Mariene de Castro,
com quem faz uma bela interpretação de Dona Canô.
O show roda o Brasil desde maio, mas foi imortalizado somente em
outubro, num a gravação realizada no Farol da Barra, em Salvador.
"Digo que é o meu longa-metragem, é uma forma das pessoas verem o
que ninguém consegue explicar". Não é uma coletânea, por isso a
escolha de não colocar nele os hits que fizeram dela conhecida no
território nacional no início da década de 1990.
As dançantes Feijão de Corda e Toneladas de Amor interrompem o
caráter brincante do show para dar espaço a tom mais intimista. Topo
do Mundo vem dedilhada no violão, a baladinha Pensar em Você no
piano eletrônico e Dia Branco, no pandeiro e violão.
As bailarinas viram instrumento de percussão. Vestem como saias,
bacias de alumínio para dar força a Só no Balanço do Mar. A partir
daí, o palco vira carnaval com os sucessos Amor de Ninguém, Você não
entende nada e Ciranda das Panelas. Guitarras e batuques anunciam
Ilê Ayê. O samba reggae e o frevo tomam conta do final do show, com
Balé Popular, Pérola Negra e Água do Céu. Maimbê Dandá explode o
Farol e termina o DVD, que inda tem nos extras o clipe de Quero a
Felicidade, com a participação da banda Jamil e Uma Noites.
A base percussiva é o eixo de banda formada por como Alexandre
Vargas (guitarra), Gerson Silva (guitarra), Zito Moura (teclados),
Cesário Leoni (baixo), Ramon Cruz (bateria), Daniela Penna
(percussão), Cláudio Alves (percussão), Emerson Taquari (percussão),
Rudson Almeida (percussão), Gil Alves (vocal), Joelma Silva (vocal),
Nara Costa (dança) e Edeise Gomes (dança).
A explosão de cores, batuques e o misto de ritmos ganham a
consistência da cantora em uma fase mais madura. Daniela apresenta
mais que performances de uma boa voz com os passos de uma
ex-bailarina. Mostra a alma da baiana com o baticum negro nas veias.
No seu canto, uma parte da Cidade. Falta cantar o Brasil.