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Pérolas raras de 40 anos caetanos

11/06/2008

 

Disco com faixas inéditas ou pouco conhecidas é, a rigor, o mais interessante da caixa que marca quatro décadas de carreira do cantor baiano

JOSÉ TELES

Por mais paradoxal que possa parecer, Caetano Veloso é muito mais conhecido, sobretudo por quem está na faixa dos 30 anos, pelos seus sucessos radiofônicos, ou pelos eventuais acessos de leonino de pavio curto. No entanto, poucos artistas da MPB nos últimos 40 anos ostentam uma obra tão íntegra, complexa e ao mesmo tempo pop, que incursiona por todos vãos e desvãos da música popular. Do baião à bossa nova, do rock ao concretismo, dos Beatles ao brega. A Universal começa a empreender uma revisão da arte do filho mais famoso de Santo Amaro da Purificação com o projeto 40 anos caetanos, pegando a deixa da data redonda: em 1966, Caetano Veloso assinava contrato com a CBD, ancestral da atual Universal.

A primeira leva chegou às lojas com dez CDs originais e mais um de raridades. Relançamentos oportunos, pois em 2007 completam-se também quatro décadas da deflagração do movimento tropicalista, aqui representados pelos discos Caetano Veloso (1967), e Tropicália ou panis et circenses. Esta fornada inicial da caetanave abrange de 1966, o primeiro álbum, Domingo, dividido com Gal Costa, a ainda desconhecida e tímida Gracinha, a 1974, com o festivo Temporada de verão (com Gal, e Gil). É certo que estes discos já tiveram uma reedição em 2002, na caixa Todo Caetano, também dirigida por Charles Gavin, o baterista dos Titãs, garimpeiro fonográfico nas horas vagas.

A rigor, pois, o único disco de interesse aqui seria Caetano raro e inédito 67- 74, que reúne desde a pedra fundamental da discografia de Caetano Veloso (lançado em 1965, pela RCA Victor), com Cavaleiro e Samba em paz, canções que não denunciam o revolucionário estético que desabrocharia somente dois anos depois. Este CD rastreia a impressionante mudança do compositor, que salta dos queixumes esquerdistas típicos da bossa engajada, Samba em paz (O samba vai crescer/quando o povo perceber/que é dono da jogada), à desconstrução, com Os Mutantes, do samba tradicional, A voz do morto (Eu sou o samba/a voz do morto/os pés do torto/o cais do porto/ a voz do louco). Entre as raridades fora de catálogo, dois fonogramas inéditos, o Hino do Sport Club Bahia. Com Gilberto Gil ao violão, e a demo original de Cinema Olympia, feita para a gravação de Gal Costa. Um disco que merecia uma edição autônoma, pelo preciosos lados Bs, a exemplo de Charles Anjo 45, com Jorge Ben (sem o Jor) no violão e vocalises, Ai de mim Copacabana (parceria com Torquato Neto), a antecipação do tropicalismo por Braguinha, em Yes nós temos banana (do histórico esporro, em 1968, na platéia que vaia o baiano é Proibido proibir (complementada pela versão de estúdio com Os Mutantes). Violenta trombada de frente com “a juventude que queria tomar o poder”. Feito responsável por uma fratura exposta na caretice, o grande momento de ruptura do tropicalismo, mais ainda do que Alegra alegria, ou Domingo no parque.

Esta fase, senão a mais importante, é a mais instigante de Caetano Veloso, pari pasu com o pop internacional (o pop internacional só se deu conta disto 30 anos mais tarde, e o reverenciou, este ano em Londres, com a exposição dedicada à Tropicália no Barbican, em Londres). Embora estes discos nunca tenham saído de catálogo a reapresentação de todos eles, por ordem cronológica faz justiça a um artista só comparável aos Beatles nas guinadas bruscas e certeiras, disco a disco. De uma geração atada a uma tradição literária na importância que dá às letras das canções, Caetano Veloso, tal como os Beatles, consegue encaixar a literatura nas experiências sonoras e harmônicas sem soar forçado.

A influência dos Beatles é palpável no seu Álbum branco (Caetano Veloso, de 1969), que inaugura uma estética indie (sic) no pop de 38 anos atrás (o que foi preciso ser reconhecido por gringos feito o riponga Davendra Banhart, para ser descoberto pela geração nascida nos anos 80). Gravado durante a estadia forçada de Caetano Veloso em Salvador, antes do exílio “aconselhado” em Londres, o Álbum branco remasterizado e remixado ratifica o pioneirismo deste disco (e destaca a guitarra superior do hoje esquecido Lanny Gordin). Barra 69, espécie de bootleg oficial do show de despedida de Gil e Caetano no Teatro Castro Alves, antes da saída do Brasil, agora se tornou um disco de carreira, e não apenas o registro do pesadelo vivido pelos dois artistas no regime militar.

A guaribada sonora deu um upgrade em Transa (1972) disco mais bem resolvido desta fase (e provavelmente o melhor da carreira do baiano, onde vanguarda e tradição realizam um casamento perfeito), que teve recuperados também os créditos que o descaso da indústria na época deixou de lado. Alegria alegria no LP não especificava que os acompanhamentos não foram apenas dos Beatboys, mas de Os Mutantes e do RC7 (o grupo de Roberto Carlos), e nem tudo foi arranjado por Rogério Duprat. Julio Medaglia assina o antológico arranjo de Tropicália, e Damiano Cozzela o de Anunciação. Transa, por sua vez, traz o nome de Jards Macalé como diretor musical e guitarrista (e de uma desconhecida Ângela Rorô como flautista na faixa Nostalgia). A ausência do seu nome na ficha técnica teria provocado a defecção de Macalé da horda tropicalista (motivo negado por Caetano Veloso, semana passada, na coletiva de lançamento desta caixa). De Transa recuperou-se até a capa-objeto (de Álvaro Guimarães) que tornou badalada (e imprestável ) a tiragem inicial do LP em 1972. Os discos trazem notas do próprio Caetano Veloso e textos de Tárik de Souza. As próximas caixas têm lançamentos programados para o transcorrer de 2007.

(© JC Online)


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