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 Marianne Peretti 80 anos de talento e muita vitalidade

 

 

Divulgação

Marianne e seu cajueiro em Olinda
 

Francesa radicada em Olinda, a autora dos vitrais da Catedral de Brasília comemora aniversário de oito décadas

Olívia Mindêlo
oliviamindelo@jc.com.br

Diz a sabedoria popular que quem não se recicla morre. A natureza é uma prova viva diante dos nossos olhos. Seres humanos que alcançam os 80 anos em plena atividade também são. O trabalho, muitas vezes, está na receita da longevidade, mais ainda se estiver ligado à arte, ofício capaz de nos renovar profundamente. Francisco Brennand, Ariano Suassuna e Abelardo da Hora são exemplos disso no Estado. Mas há muitos outros. Hoje mesmo, em Olinda, a artista plástica Marianne Peretti sopra as velas de suas oito décadas de existência com fôlego e vitalidade de surpreender qualquer cético na vida.

Na verdade, ela confessou que nem prefere comemorar: “É muito chato isso, eu vou me esconder. Fazer 80 anos é muito triste, porque sabemos que não resta muito pela frente”. Para quem já teve a oportunidade de vê-la pessoalmente, nem parece uma frase vinda dela. Trabalha diariamente por prazer e “por obrigação”, para se sustentar. Começa às 8h e vai até às 18h. Desenha projetos, muitos por encomenda, mas não pinta mais, “por falta de tempo”. São vitrais, portas, painéis, esculturas de ferro e vidro, enfim, “tudo que aparece”, como gosta de falar.

Sua casa é impecável. O retrato de sua vitalidade. Tem um jardim bem-cuidado e detalhes feitos por alguém com amor à vida, à natureza, à arquitetura e, sobretudo, à arte. Como toda boa francesa, não vê na terceira idade um motivo para se esquivar da vaidade, ao contrário, sempre está de rímel, batom, pó facial e um bom lápis de olho. Sem contar o figurino, digno de uma mulher elegante, que se cuida. Apesar da herança cultural de Paris, onde nasceu, Marianne é uma apaixonada pelo Brasil. Já morou em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal, mas escolheu Pernambuco, a terra de seu pai, como a sua residência definitiva. Mora em Olinda há 20 anos e, apesar de reservada, já fez inúmeras obras para o Estado.

Na capital pernambucana, habitam mais de 30 obras, que dialogam com as fachadas de edifícios residenciais e empresariais (como o JCPM Trade Center), halls de hospitais, salas de hotéis, igrejas, tribunais, além de apartamentos particulares. Um dos trabalhos mais importantes fica no Tribunal de Justiça de Pernambuco: um vitral na capela. Mas muitas obras são feitas de ferro, material que ela adora, como é o caso da Igreja Messiânica do Rosarinho, que abriga uma grande peça escultural em sua fachada.

A arquitetura, aliás, sempre o casamento perfeito com sua obra. Não é à toa que o nome de Marianne Peretti é associado ao de Oscar Niemeyer até hoje. Com o arquiteto, ela teve mais de 20 parcerias, entre esculturas, murais, painéis, colunas, peças e vitrais. O mais famoso deles, aliás, foi concluído no fim dos anos 80: os estupendos vitrais de 2.240 m² para a Catedral de Brasília. “Marianne Peretti é uma artista de excepcional talento. Os vitrais que criou para a Catedral de Brasília são invejáveis pelo valor e esforço físico, são monumentais obras da Renascença”, escreveu o grande arquiteto.

Só por isso, já há muito o que ela comemorar na vida.

(© JC Online)


“Fugia da escola para desenhar”

Marianne Peretti é uma mulher ocupada. Não foi rápido até ela conseguir fechar um tempo de sua agenda para conversar com o Jornal do Commercio. No entanto, bastou abrir as portas de sua casa, em Olinda, para a artista plástica enveredar por uma dessas conversas que você não tem vontade de parar. É uma excelente anfitriã. Um cafezinho aqui, um copinho de água ali, um passeio pela casa toda cheia de charme. E, claro, muita história para contar. Confira trechos dessa prosa de fim de tarde.

Jornal do Commercio - A senhora é francesa de pai pernambucano. Quando veio ao Recife pela primeira vez?

Marianne Peretti – Eu vim para cá para conhecer meu pai, aos 19 anos. Ele morava na Caxangá. Eu já pintava e desenhava. Gostei muito dos jardins que encontrei, muito sensuais, com formas bem mais desenhadas do que as árvores francesas bem-comportadas. Aqui há uma mistura, uma coisa que você sente se gosta de arte.

JC – Como foi sua infância em Paris?

Marianne – Muito complicada, eu era meio difícil. Introspectiva, reagia muito às coisas. Eu fui mandada embora de vários colégios. No último deles, quando eu tinha 14 ou 15 anos, minha mãe pensava que eu ia todo dia de manhã às aulas, mas na verdade eu ia desenhar numa academia em Montparnasse. Pagava-se alguma coisa e você podia ficar o dia todo lá, desenhando, tinham umas modelos, umas mulheres. No fim do ano, eu fui mandada embora da escola e, como eram as férias, não disse nada à minha mãe. Eu pensei que ia estragar as férias dela. Só disse no fim, quando a gente estava retornando a Paris. Então, ela disse: “Não é possível! O que é que você quer fazer?”. Eu respondi: “Quero desenhar”. Aí ela começou a falar com uns amigos. Um era poeta, outro jornalista, enfim...

JC – Não houve resistência?

Marianne – Não, de jeito nenhum. Por que eu não já olhava os Modigliani com 6 anos? Eu já sabia nessa idade que ele era um grande artista. Fui criada num meio propício. A gente falava muito de arte, eu lia livros de arte, escutava música boa, ia visitar as galerias, aos 12 anos, sozinha, ia ao Museu Balzac, que era perto da minha casa. Eu tinha uma vida muito solitária, então fazia isso tudo só, não tinha uma amiga para compartilhar naquela época.

JC – Já gostava de arquitetura?

Marianne – Sim, eu sempre gostei de arquitetura. Eu tinha ido à Grécia, que é muito importante, porque lá você vê as ilhas gregas, com uma luminosidade extraordinária, um mar muito azul, o céu também e as formas muito precisas nessa paisagem. São muito desenhadas, as colunas, tudo. Eu também folheava os livros nas grandes livrarias. Com 16 anos, já sabia quem era Franklin Wright. Fiquei interessada e ninguém tinha me dito nada. Não gostar de arquitetura é bobagem. O mundo é maravilhoso pela arquitetura que vai ficar, se conseguir sobreviver.

JC – Existe separação entre arte e arquitetura?

Marianne – Se a arquitetura é boa, é arte. Se é ruim, não é. E tem muita arquitetura ruim.

JC – Mas existe arte boa e arte ruim.

Marianne – É uma coisa deplorável quando a arquitetura é ruim, porque dura muito. Um quadro que não é bom não é um drama, porque é pequeno, mas um prédio ruim é um desastre numa cidade. Você o vê todo dia e vai demorar anos para alguém demolir e construir outra coisa.

JC – Como se deu sua atração pelos vitrais?

Marianne – Conheci um arquiteto na França que estava fazendo um prédio para uma escola de eletricidade e ele precisava de um painel. Eu estava procurando trabalho também em Paris, então ele me deu um grande painel a fazer para o restaurante dessa escola, que devia ser todo iluminada por trás. O vitral cabia exatamente. Então, eu fiz. Depois, aqui, eu conheci Janete Costa (arquiteta) e ela começou a me dar uns vitrais para eu fazer nos apartamentos dela. Comecei a achar os vitrais interessantes, porque até então eu não achava. Para mim, eram uma coisa morta, sem expressão, que tinha sido muito bonito no século 11 e 12, mas depois tinha decaído. Com essas encomendas, comecei a ver que não era bem assim. Podia fazer coisas modernas para inserir nos móveis modernos desses apartamentos modernos. Aí comecei a trabalhar muito. E, a partir daí, me interessei pelo vidro.

JC – E o encontro com Oscar Niemeyer?

Marianne – Eu estava em Paris, na casa da minha mãe, e vi uma entrevista do Niemeyer. Fiquei olhando, não conhecia nem a cara dele, e vi o prédio da Moradori, que é famosíssimo, de uma grande editora na Itália. É magnífico. Então, como o projeto já estava no fim e eu, em Paris, pensei: “Vou a Milão conhecer isso”. Era fevereiro, os arcos estavam todos cheios de neve e o céu azul. Uma coisa linda.

JC – Mas Niemeyer estava lá?

Marianne – Nada. Agora imagine como as coisas são: primeiro vejo essa entrevista na televisão e respondo a ela, pegando um avião. Depois, a uma semana de voltar ao Brasil, a companhia aérea me diz: “Você tem de ir pelo Rio de Janeiro, porque estão fazendo uma reforma no aeroporto do Recife”. Tudo bem, eu era jovem, não achava nada terrível. Aí cheguei ao Rio e pensei: “Vou ver o Niemeyer”. Peguei o endereço e lá eu disse: “Estou chegando de Milão e gostaria muito de conhecer o Niemeyer”. Quando ele viu que eu estava vindo de Milão, me fez entrar logo para ter notícias das obras. Eu disse que tinha adorado o projeto, revelei meu entusiasmo e ele, gostou. Disse também que fazia uns painéis, uns vitrais, e que queria muito fazer umas coisas para os projetos dele, mesmo que pequenas. Ele disse: “Quando você voltar ao Rio, traga umas fotos das suas coisas”. E assim o conheci.

JC – Para a catedral foi um passo?

Marianne – Não, tenho umas 20 obras com ele. Fiz muita coisa.

JC – Mas os vitrais da catedral são sua obra preferida?

Marianne – Não, tenho até raiva. Inclusive está toda quebrada. Tem que refazer os vitrais todinhos. Foi um trabalho muito complexo que me custou a coluna. Foi uma obra mortalmente cansativa.

JC – Mas não valeu a pena vê-la pronta?

Marianne – Não sei. Estão quebrados. O Brasil não sabe o que é manutenção, só os países ricos. Deveria haver um escritório que fiscalizasse isso.

JC – Incomoda ter seu nome sempre associado a Niemeyer?

Marianne – Não, de jeito nenhum. É um orgulho para mim.

(© JC Online)

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