Marianne
Peretti é uma mulher ocupada. Não foi rápido até ela conseguir fechar um
tempo de sua agenda para conversar com o Jornal do Commercio. No
entanto, bastou abrir as portas de sua casa, em Olinda, para a artista
plástica enveredar por uma dessas conversas que você não tem vontade de
parar. É uma excelente anfitriã. Um cafezinho aqui, um copinho de água
ali, um passeio pela casa toda cheia de charme. E, claro, muita história
para contar. Confira trechos dessa prosa de fim de tarde.
Jornal do Commercio - A senhora é francesa de pai pernambucano. Quando
veio ao Recife pela primeira vez?
Marianne Peretti – Eu vim para cá para conhecer meu pai, aos 19 anos.
Ele morava na Caxangá. Eu já pintava e desenhava. Gostei muito dos
jardins que encontrei, muito sensuais, com formas bem mais desenhadas do
que as árvores francesas bem-comportadas. Aqui há uma mistura, uma coisa
que você sente se gosta de arte.
JC – Como foi sua infância em Paris?
Marianne – Muito complicada, eu era meio difícil. Introspectiva,
reagia muito às coisas. Eu fui mandada embora de vários colégios. No
último deles, quando eu tinha 14 ou 15 anos, minha mãe pensava que eu ia
todo dia de manhã às aulas, mas na verdade eu ia desenhar numa academia
em Montparnasse. Pagava-se alguma coisa e você podia ficar o dia todo
lá, desenhando, tinham umas modelos, umas mulheres. No fim do ano, eu
fui mandada embora da escola e, como eram as férias, não disse nada à
minha mãe. Eu pensei que ia estragar as férias dela. Só disse no fim,
quando a gente estava retornando a Paris. Então, ela disse: “Não é
possível! O que é que você quer fazer?”. Eu respondi: “Quero desenhar”.
Aí ela começou a falar com uns amigos. Um era poeta, outro jornalista,
enfim...
JC – Não houve resistência?
Marianne – Não, de jeito nenhum. Por que eu não já olhava os
Modigliani com 6 anos? Eu já sabia nessa idade que ele era um grande
artista. Fui criada num meio propício. A gente falava muito de arte, eu
lia livros de arte, escutava música boa, ia visitar as galerias, aos 12
anos, sozinha, ia ao Museu Balzac, que era perto da minha casa. Eu tinha
uma vida muito solitária, então fazia isso tudo só, não tinha uma amiga
para compartilhar naquela época.
JC – Já gostava de arquitetura?
Marianne – Sim, eu sempre gostei de arquitetura. Eu tinha ido à
Grécia, que é muito importante, porque lá você vê as ilhas gregas, com
uma luminosidade extraordinária, um mar muito azul, o céu também e as
formas muito precisas nessa paisagem. São muito desenhadas, as colunas,
tudo. Eu também folheava os livros nas grandes livrarias. Com 16 anos,
já sabia quem era Franklin Wright. Fiquei interessada e ninguém tinha me
dito nada. Não gostar de arquitetura é bobagem. O mundo é maravilhoso
pela arquitetura que vai ficar, se conseguir sobreviver.
JC – Existe separação entre arte e arquitetura?
Marianne – Se a arquitetura é boa, é arte. Se é ruim, não é. E tem
muita arquitetura ruim.
JC – Mas existe arte boa e arte ruim.
Marianne – É uma coisa deplorável quando a arquitetura é ruim, porque
dura muito. Um quadro que não é bom não é um drama, porque é pequeno,
mas um prédio ruim é um desastre numa cidade. Você o vê todo dia e vai
demorar anos para alguém demolir e construir outra coisa.
JC – Como se deu sua atração pelos vitrais?
Marianne – Conheci um arquiteto na França que estava fazendo um
prédio para uma escola de eletricidade e ele precisava de um painel. Eu
estava procurando trabalho também em Paris, então ele me deu um grande
painel a fazer para o restaurante dessa escola, que devia ser todo
iluminada por trás. O vitral cabia exatamente. Então, eu fiz. Depois,
aqui, eu conheci Janete Costa (arquiteta) e ela começou a me dar uns
vitrais para eu fazer nos apartamentos dela. Comecei a achar os vitrais
interessantes, porque até então eu não achava. Para mim, eram uma coisa
morta, sem expressão, que tinha sido muito bonito no século 11 e 12, mas
depois tinha decaído. Com essas encomendas, comecei a ver que não era
bem assim. Podia fazer coisas modernas para inserir nos móveis modernos
desses apartamentos modernos. Aí comecei a trabalhar muito. E, a partir
daí, me interessei pelo vidro.
JC – E o encontro com Oscar Niemeyer?
Marianne – Eu estava em Paris, na casa da minha mãe, e vi uma
entrevista do Niemeyer. Fiquei olhando, não conhecia nem a cara dele, e
vi o prédio da Moradori, que é famosíssimo, de uma grande editora na
Itália. É magnífico. Então, como o projeto já estava no fim e eu, em
Paris, pensei: “Vou a Milão conhecer isso”. Era fevereiro, os arcos
estavam todos cheios de neve e o céu azul. Uma coisa linda.
JC – Mas Niemeyer estava lá?
Marianne – Nada. Agora imagine como as coisas são: primeiro vejo essa
entrevista na televisão e respondo a ela, pegando um avião. Depois, a
uma semana de voltar ao Brasil, a companhia aérea me diz: “Você tem de
ir pelo Rio de Janeiro, porque estão fazendo uma reforma no aeroporto do
Recife”. Tudo bem, eu era jovem, não achava nada terrível. Aí cheguei ao
Rio e pensei: “Vou ver o Niemeyer”. Peguei o endereço e lá eu disse:
“Estou chegando de Milão e gostaria muito de conhecer o Niemeyer”.
Quando ele viu que eu estava vindo de Milão, me fez entrar logo para ter
notícias das obras. Eu disse que tinha adorado o projeto, revelei meu
entusiasmo e ele, gostou. Disse também que fazia uns painéis, uns
vitrais, e que queria muito fazer umas coisas para os projetos dele,
mesmo que pequenas. Ele disse: “Quando você voltar ao Rio, traga umas
fotos das suas coisas”. E assim o conheci.
JC – Para a catedral foi um passo?
Marianne – Não, tenho umas 20 obras com ele. Fiz muita coisa.
JC – Mas os vitrais da catedral são sua obra preferida?
Marianne – Não, tenho até raiva. Inclusive está toda quebrada. Tem
que refazer os vitrais todinhos. Foi um trabalho muito complexo que me
custou a coluna. Foi uma obra mortalmente cansativa.
JC – Mas não valeu a pena vê-la pronta?
Marianne – Não sei. Estão quebrados. O Brasil não sabe o que é
manutenção, só os países ricos. Deveria haver um escritório que
fiscalizasse isso.
JC – Incomoda ter seu nome sempre associado a Niemeyer?
Marianne – Não, de jeito nenhum. É um orgulho para mim.