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28/11/2001

A última paixão de Souto Maior

Mário Souto Maior, falecido no 25.12.2001, aos 81 anos

Completamente encantado com o poder de propagação de piadas e ditos anônimos pela Internet, o folclorista reunia em livro os melhores ‘causos’ da rede

SCHNEIDER CARPEGGIANI

   O ‘catador’ de coisas e expressões populares Mário Souto Maior, falecido no último domingo, aos 81 anos, até seu último momento foi fiel ao conselho que Luís da Câmara Cascudo lhe deu na década de 70: “O essencial é armazenar a documentação existente, para o século 50 e tantos.” Antenado ao pensamento de uma nova geração para a qual tecnologia virou bê-á-bá e o e-mail, principal fonte de divulgação para lendas urbanas, anedotas e folclores, Mário deixou em andamento o projeto de um livro que reunisse alguns dos melhores ‘causos’ divulgados pela Internet.

   Para ele, o ambiente da web era uma forma potente de divulgação de um novo ‘folclore’, que transformava em anedota os fatos do cotidiano. Um trabalho bem coerente para um homem que já ‘catou’ elementos para um polêmico dicionário de palavrão, piadas de portugueses e até histórias curiosas sobre as sempre incompreendidas sogras.

   “Ela, a Internet, é uma faca de dois gumes, à medida que faz com que as pessoas se comuniquem com o mundo inteiro através da telinha do computador, faz com que o indivíduo fique boa parte da sua vida sozinho, sentado à frente da telinha. Muitos adultos e jovens ficam presos à Internet, aumentando a solidão no mundo”, constatou, certa vez, o etnólogo sobre o complexo universo da web. E ainda completou: “Com suas correntes, frases, aforismos anônimos que lembram tanto a filosofia grega quanto os pára-choques de caminhão, a Internet já tem o seu folclore.”

   “Para quem não sabe, Mário Souto Maior era um completo deslumbrado por tecnologia. Esse é um contraponto muito interessante a seu respeito para as pessoas conhecerem”, lembrou a antropóloga e pesquisadora da Fundaj Fátima Quintas, que estava ajudando o etnólogo na realização de sua nova obra.

   “Ele pediu que eu coletasse as piadas que recebia por e-mail e lhe enviasse. Ele tinha uma forma muito peculiar de trabalhar: colocava tudo o que chegava às suas mãos em uma caixa. Quando essa caixa se encontrava cheia, dizia que ela estava pronta para ser transformada em um livro.”

   Lis Souto Maior, filha do etnólogo e folclorista, afirmou que o livro sobre Internet não tem previsão de lançamento nem um título certo. “Ainda estamos trabalhando nesse projeto e vamos finalizá-lo, assim como outros que papai estava realizando.”

   “No início, ele tinha uma certa relutância com computador, mas depois gostou. Quando o micro dava algum problema, ele reclamava e dizia que não queria mais saber disso. Depois, voltava a ficar interessado de novo. Ele utilizava a Internet como uma forma de pesquisa para seus projetos sobre folclore”, ressaltou Lis.

   Diariamente, após seu trabalho na Fundaj, Mário Souto costumava chegar em casa e ir direto para o computador. Nele, respondia diariamente a e-mails de pessoas de todo o País (e do exterior, também) que acessam o seu site www.soutomaior.eti.br/mario procurando mais informações à respeito de folclore.

   PELA WEB – Idealizado pelo seu filho, Jan Souto Maior, o site do etnólogo é uma das melhores fontes de pesquisa sobre o trabalho do autor. Constantemente atualizado, ele traz textos de livros seus, curiosidades, bibliografia, além de recursos multimídia.

   Vale ressaltar que no dia do falecimento do folclorista, logo na página inicial do site havia um texto do enfermeiro Nailton, do Hospital Unicords, onde Mário estava internado. Simples e direta, a mensagem se enquadra bem naquele seu desejo de coletar as expressões do povo, para o qual o autor dedicou toda sua vida: “Um gênio não é apenas um homem inteligente que absorve, compreende e soluciona o mistério das coisas. Ele é um mago: um ser dotado de sensibilidade - o poder de extrair de cada um sua essência, é a complexidade que se transmuta em simplicidade. Você é um gênio.” (© Jornal do Commercio)


Mais um projeto de uma vida cheia de idéias

   O livro sobre ‘causos’ da Internet era só um entre os muitos projetos nos quais Souto Maior se debruçava. Homem de uma produção intensa, que se estendia por uma bibliografia com mais de 60 títulos, ele havia acabado de lançar mais dois, ambos pela editora Massangana, da Fundaj: A Menina-Avó e os seus Almanaques e Algumas Pernas Curtas da Mentira.

   Esse último, vale ressaltar, em colaboração com os pesquisadores Getúlio Araújo, Renato Phaelante e Manuel Correia de Andrade, que trata das mentiras que têm pernas curtas e que, no livro, são contadas de acordo com as especialidades de cada autor. Mário, lógico, focava aquelas ligadas ao folclore popular.

   Ao mesmo tempo, o autor aguardava o lançamento de Um Menino Chamado Jorge Amado – minibiografia do escritor baiano falecido recentemente voltada para crianças, que fará parte da sua coleção Aprender Brincando, patrocinada pela BCP, que está em seu oitavo volume.

   O autor recentemente foi foco de uma biografia em comemoração aos seus 80 anos, Mário Souto Maior – Oitenta Anos, organizada pelo seu filho Jan Souto Maior. Já pronta, a obra, de acordo com a Fundaj, deve ser lançada em breve.

   Nela, estão presentes textos de colegas de trabalho de Mário, como a antropóloga Fátima Quintas, o pesquisador fonográfico, Renato Phaelante, o geógrafo e historiador Manuel Correia de Andrade e o presidente da Fundação, Fernando de Mello Freyre. A obra conta, ainda, com um resumo de reportagens e entrevistas na imprensa nacional sobre o etnólogo, publicadas durante as comemorações da festa dos seus 80 anos.

   Em uma das entrevistas presente na obra, Souto Maior define da seguinte forma o folclore: “Definir qualquer coisa é sempre um ato de egoísmo. Egoísmo porque cada pessoa tem a sua maneira, o seu ângulo de ver e e sentir as coisas; cada pessoa tem a sua ótica. E tem mais: não conheço nenhuma definição completa, perfeita.”

   Apesar das recentes edições, muitos dos principais títulos do autor estão fora de catálogo e só podem ser encontrados em sebos ou bibliotecas, como Nomes Próprios Pouco Comuns, na 5ª edição e o notório O Dicionário do Palavrão. (S.C.) (© Jornal do Commercio)


Com relação a este tema, veja também:

Veja o site do folclorista Mário Souto Maior

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